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Colo Cumaru

Cuidados no fim da vida: não olhe apenas para a doença, para a finitude.

Atualizado: 19 de jul. de 2022


O cuidado no fim da vida de um ser humano vai muito além do que se possa imaginar. Ele não se restringe a olhar para a doença.





Em dezembro de 2021, finalizei o “Sentinelas – Curso de Formação para Guardiões do Fim da Vida”. Foram 6 meses intensos, com mais de 200 horas/aula. Para cuidar de um ser humano nos momentos finais de vida é preciso:


  • consciência;

  • conexão com o outro;

  • compromisso;

  • curiosidade;

  • compaixão;

  • comprometimento;

  • criatividade e

  • cuidar de si mesmo.


O cuidado com o outro vai muito além da doença, da dor, da possibilidade da finitude.

Decidi fazer o curso com o objetivo continuar com meu aprendizado em assuntos relacionados aos cuidados paliativos e, de forma mais ampla, aos cuidados humanizados.


Jamais poderia imaginar que o caminho, iniciado em função do adoecimento de afetos meus, seria transformado em uma jornada profunda de autoconhecimento e definitivamente no entendimento de que eu não sabia nada sobre o cuidar, de mim e de outra pessoa.


O curso Sentinelas tem como propósito dar ferramentas para que possamos estar preparados a ser um guardião da vida de outra pessoa. Na definição dos organizadores do curso, ser aquele “que facilita e possibilita que o fim da vida ocorra de forma digna, cuidadosa e amorosa”.


A primeira grande lição que recebi foi que para que possamos administrar cuidados a outros seres humanos, é preciso cuidar de nós mesmos antes de tudo. E isso nos foi relembrado até o final do curso.


Quem cuida - o cuidador - leva consigo a responsabilidade do autoconhecimento que permite ir além e aprofundar as questões pessoais e da relação com o Ser cuidado, reconhecendo seus limites, suas potências e desenvolvendo a autoempatia. Assim, estará habilitado a estar com a pessoa cuidada de um outro lugar: o da conexão. Presença é a atitude principal.


É uma honra transformar-se em um Sentinela, um cuidador, para poder acompanhar uma pessoa na sua trajetória de fim de vida e testemunhar seu último suspiro. Para que possa seguir nesse caminho com respeito, dignidade e amor, terei sempre que lembrar o Ser único que ele é, que possui uma biografia e que deve ser respeitada até o momento final.


Quando alguém recebe um diagnóstico de uma doença que ameace a vida ou mesmo esteja em seus dias finais e escuta que “não há nada mais a fazer", é necessário lembrar que muito pode e deve ser feito: cuidar, dar qualidade de vida, olhar o Ser humano além da doença, da finitude. Como bem disse Cicely Saunders, uma das precursoras dos cuidados paliativos modernos: “O sofrimento humano só é intolerável quando ninguém cuida”.


Cuidar é mais delicado e profundo do que se imagina. A abordagem dos cuidados paliativos considera a dor para além da dor física. O termo criado por Saunders é o da “dor total", que engloba os elementos emocionais, físicos, sociais, familiares e espirituais de uma pessoa.


Ressalto que o cuidado também deve ser estendido aos profissionais de saúde (sim, eles precisam de cuidados, apesar de, muitas vezes, não reconhecerem a necessidade dos mesmos), dos cuidadores profissionais e não-profissionais.


Indo além no cuidado


O ideal é que cuidado comece com uma conversa. Muitas vezes, evitamos falar a verdade com os doentes, com a pessoa em estágio final de vida e com seus familiares. A primeira coisa que precisamos saber é o que a pessoa sabe sobre sua condição e entender as suas expectativas. Se ela não sabe nada ainda, devemos perguntar o que quer ou não saber. Conversas podem ser curativas. A comunicação compassiva nos ensina como conduzir o processo.


Várias são as possibilidades de oferecer momentos de alívio de sofrimento, de paz e reconexão a quem sofre. Compaixão é o motor de quem quer cuidar. Música, aromas, toque terapêutico, alimentação são algumas das ferramentas que trabalham em favor da qualidade de vida de quem precisa ser cuidado.


Está provado cientificamente que a música pode ser utilizada como um recurso para reduzir a ansiedade, no controle do estresse e da fadiga, por exemplo. Ouvir música pode também produzir mudanças no humor, ajudar a trazer lembranças do passado e muito mais. Este se apresenta ainda como um ótimo recurso de acolhimento.


É possível dar conforto e dignidade, adequando o ambiente em que a pessoa cuidada está. Com base em informações fornecidas por pela pessoa cuidada, pode-se criar um espaço acolhedor, com objetos que resgatam memórias afetivas, por exemplo. Se não ela se comunica, a família, sabendo da história do seu familiar, pode adequar o espaço. Pequenas adaptações podem ser feitas até em quartos de hospitais.


O alimento é afeto, é lembrança, é prazer. A vida pode ser temperada e saborosa até o final. Adaptações na alimentação transformam os dias das pessoas e é possível apresentar pratos visualmente agradáveis e com sabores que resgatam a memória afetiva, promovem conforto e significado, desde que sejam respeitadas as condições de saúde daquele que está sendo cuidado.


Toques terapêuticos também ajudam. Há várias manobras que aliviam a dor e acalmam. Porém, é necessário lembrar que o corpo deve ser tocado de forma sagrada. Aliado ao toque, mas também de forma independente, é possível utilizar a aromaterapia no auxílio da promoção do relaxamento, da diminuição das dores, da ansiedade e de outros sintomas.


A meditação é um valioso recurso nos cuidados de pessoas nos seus dias finais. Se elas estão conscientes, ajudam a acalmar, melhorar o sono, auxiliar no controle do estresse. Poucos minutos por dia já podem proporcionar um grande bem-estar.


Há muitos outros detalhes no ato de cuidar que elevam a qualidade de vida da pessoa em fim de vida a um patamar que habitualmente não estamos acostumados. Eles estão ligados à higiene corporal, higiene bucal, a questões em relação à comunicação com o Ser cuidado, com familiares, cuidadores e profissionais de saúde, dentre vários outros.


Por fim, aprendi que é muito importante cuidar do que é sagrado para aquele que está partindo. E para isso, precisamos, na presença, da escuta ativa sem restrições. Isso abre espaço para a sua reconexão consigo mesmo. Como bem definiu a jornalista e escritora Ana Michelle Soares: “as pessoas já estarão sendo cuidadas se você permitir que elas sejam humanas e não sejam julgadas”.


Após o curso, o cuidar adquiriu uma nova dimensão para mim e também trouxe os seguintes aprendizados:


  • Presença é a palavra-chave.

  • A Consciência de quem sou é essencial, para que possa estar com o outro de forma inteira, respeitando-o na sua integridade.

  • A curiosidade e a abertura a aprendizados, respeitando sempre o Ser que estará diante de mim, lembrando também que ele é único e que estará vivo até o último suspiro. Assim não me esquecerei de que ele pode ser tornar um grande mestre em nossa jornada conjunta.

  • O compromisso com o a tarefa escolhida abre possibilidades para novas formas de acolher e cuidar.

  • A compreensão do meu papel na vida da pessoa a ser cuidada e dos que a cercam possibilita aprendizados e gratidão por todas as oportunidades que surgirem.

  • Sem compaixão, o cuidar não existe.

  • Por último, mas não menos importante, o autocuidado é uma atitude de respeito para comigo e também para com todos aqueles dos quais cuidarei. Terei que cuidar muito bem de mim para a minha presença ser de qualidade. É uma questão de amor.




Juliana Toscano

Aquela que dá colo

Jornalista

PaliAtivista

Sentinela – Guardiã de Fim de Vida


Texto publicado por Juliana Toscano em abril de 2022 em sua página do LinkedIn e posteriormente em julianatoscano.com


Leia outro texto de Juliana que aborda a urgência do cuidar de quem cuida.

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